Como falar sobre o comportamento do presidente Jair Bolsonaro é praticamente um sacrilégio em uma das novas vertentes da religião que emergiu durante o processo eleitoral de 2018, talvez seja interessante avaliar que a visita da comitiva brasileira a Washington ficou dentro da expectativa. Principalmente no comportamento de alguns assessores e membros do grupo, a exemplo do assessor especial da presidência, Filipe Martins, e do deputado federal Eduardo Bolsonaro. Depois do tour de compras, sobrou espaço para tietagem.
Tudo começou antes da saída do Brasil. Para além do jantar exclusivo com conservadores – que já renderia constrangimento suficiente em um contexto social cujo conservadorismo não é uma unanimidade -, houve a gafe envolvendo um convite para Steve Bannon participar do evento com o presidente. Bannon é um xodó de Eduardo Bolsonaro, alçado à condição de conservador-mor na América do Sul pelo próprio ex-aliado de Trump. No entanto, o agora renegado na Casa Branca dividiu as pompas da recepção, ao lado do filósofo autointitulado Olavo de Carvalho. Se houvesse um mínimo de percepção sobre diplomacia, Bannon até poderia participar do evento, mas não com o destaque dado pelo grupo.
Eduardo, inclusive, já é recorrente no quesito erro diplomático. Após a eleição do ano passado, o 03 foi aos Estados Unidos e posou com um boné da virtual campanha à reeleição de Donald Trump. Fã declarado do presidente norte-americano, o apetrecho não seria estranho. A questão é que, ao vestir o slogan, é como se o pai dele, presidente da República do Brasil, estivesse declarando apoio a Trump, em um processo de reeleição complexo que aguarda o republicano no próximo ano. Mas, ao que parece, a diplomacia brasileira agora está próxima de um elefante em uma loja de cristais – ou alguém duvida que haverá consequências, caso um democrata vença as eleições para a Casa Branca?
Filipe Martins, um ideólogo que se comporta como conhecedor de diplomacia tanto quanto eu – ou seja, quase nada, admitamos – conseguiu relegar uma característica básica esperada de um assessor: discrição. E olha que ele possui formação em política internacional. Após passear pela Casa Branca como convidado VIP, fez questão de registrar o momento ao lado do red neck que mora por lá sorridente como “defensor do Ocidente”. É a força do globalismo, que ameaça o mundo tanto quanto o comunismo e o socialismo – e tantos outros “ismos” que tornam o Brasil a principal vítima dessa conspiração mundial, planejada por uma sociedade marcada pela “ditadura gaysista”. E cujo exemplo claro foi o vídeo compartilhado pelo presidente no Carnaval. Afinal, caso não façamos nada, o país vai naufragar “nisso daí”, não é mesmo? Inclusive, reverenciar Trump seria um requisito mínimo para evitar que afundemos.
Para a nossa sorte, o próprio Jair Bolsonaro não provocou nenhum constrangimento maior nessa visita aos Estados Unidos, a não ser a declaração de que é o primeiro presidente brasileiro não antiamericano em muitos anos. E também houve as negociações envolvendo os ministros Paulo Guedes, Sérgio Moro e Teresa Cristina. Mas essas ficaram em segundo plano, diante do teatro de absurdos que vivemos. Pelo menos esses acordos parecem ter valido a pena.
Este texto integra o comentário desta quarta-feira (20) para a RBN Digital, veiculado às 7h e às 12h30, e para as rádios Excelsior, Irecê Líder FM, Clube FM e RB FM. BN
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