Brumadinho, 6 meses depois: 248 mortos, 22 desaparecidos e uma centena de órfãos

Gabriel tem olhos claros, energia de criança de 7 anos bem cuidada e é companhia para o irmão, Samuel, que vai completar 4 anos no dia 27. A vida dos meninos sofreu um baque com a morte do pai, o engenheiro da Vale Alexis Adriano da Silva, soterrado no dia 25 de janeiro pela lama da Barragem 1 da Mina do Feijão, em Brumadinho, interior de Minas. O corpo do engenheiro, de 41 anos, viúvo, foi encontrado no fim de fevereiro. Quase seis meses depois, os filhos dele fazem parte de uma centena de órfãos das vítimas da tragédia.

Pelo menos 248 mortos foram identificados, além de dois bebês ainda em gestação, e 22 pessoas permanecem na lista dos não localizados, em um total de 272 vítimas. “Há uma centena de crianças, adolescentes e jovens, filhos de pessoas que perderam a vida”, avalia o bispo auxiliar de Belo Horizonte, dom Vicente Ferreira, após reunião das famílias atingidas em Brumadinho. Na entrada da cidade, desde fevereiro acontece, todo dia 25, uma cerimônia. Fontes de Brumadinho contam pelo menos 105 filhos de famílias atingidas pela tragédia.

Na cerimônia mensal, organizada por parentes dos atingidos, são lidos os nomes dos mortos, incluindo dos bebês (Maria Elisa, da gravidez de 5 meses de Eliana Melo, e Lorenzo, da gestação de 5 meses de Fernanda Damian de Almeida), e também dos não encontrados. A cada nome ouve-se a resposta emocionada dos parentes: “Presente”!

Brumadinho fica a cerca de 60 quilômetros da capital mineira, onde vivem atualmente Gabriel e Samuel, os filhos de Alexis, sob os cuidados dos avós, Sonia, de 63 anos, e o taxista José Maria da Silva, de 69. “A gente mantém os meninos no ambiente deles”, explica José Maria, que obteve a tutela dos netos e se divide entre a própria casa e o apartamento de Alexis, no bairro Caiçara, em BH. Já a avó, tentando evitar mais danos ao cotidiano, teve de mudar-se para a casa das crianças.

Os avós lembram que as crianças já haviam perdido a mãe, Flaviana, durante o parto de Samuel. “Agora, o pai nessa tragédia”, lamenta o avô. “O Gabriel não gosta de falar do pai, mas, às vezes, pergunta por ele, mostra a foto com a mãe e o pai”, explica a avó, que reforça no garoto as lembranças dos pais. “Mostra a sua família, Gabriel”, diz ela, enquanto o menino corre em busca de uma foto dele com Alexis e Flaviana.

A intensa dor da perda atormenta também a família dos gêmeos Antônio Augusto e Geraldo Augusto, de apenas 1 ano e 3 meses, filhos do casal Juliana Resende, de 33 anos, analista administrativa da Vale, e Dennis Augusto da Silva, de 34, técnico em planejamento. Ele foi localizado em fevereiro, e sepultado. Ela não foi achada.

Os órfãos do casal são amparados por familiares da mãe - os avós Geraldo Resende e Ambrosina e três tios -, assíduos na cerimônia dos dias 25 na entrada da cidade. Josiana Resende, de 31 anos, tia dos gêmeos, é uma das frequentes presenças na leitura da lista de nomes das vítimas. Com os irmãos Fabiana e Aleff, ela apoia os pais nos cuidados com os gêmeos e participa da organização dos encontros. “Vamos criar uma geração na orfandade, um público infantil com uma lacuna em suas vidas, um enorme vazio”, avalia o bispo de BH.

“Estão falando só de dinheiro. Isso está errado”, critica Roberta Cristina, de 37 anos, mulher de Luciano de Almeida Rocha, de 40 anos. Miguel, o filho mais novo dela, tem dificuldades para aceitar a morte do pai. “Com a gente, ele diz que o pai deve estar em algum hospital”, prossegue a mãe, que ampara também Maria, de 12 anos, e o mais velho, João, de 20.

Para a pastora da Igreja Luterana Silvia Genz, que participou do último encontro das famílias, em 25 de junho, a hora é de preocupação com o futuro dos órfãos. “O que se ouve deles é que não têm uma resposta sobre quem é responsável por essa tragédia”, afirma a religiosa.

Funcionário da Vale, afastado após a queda da barragem, Haroldo Júnior de Oliveira, de 29 anos, perdeu o pai, Aroldo Ferreira de Oliveira, de 52 anos, técnico de mecânica da Vale, outro que permanecia na lista dos desaparecidos. O rapaz lembra que o pai já pensava na aposentadoria e planejava ter uma oficina para trabalhar com um dos seus hobbies prediletos: os carros. “Era um sonho dele, que eu pretendo levar adiante”, diz Haroldo, irmão de Geovanna, de 22 anos. Com uma filha de 9 anos, ele vive em Brumadinho e segue a profissão do pai.

E a delicada situação das famílias da tragédia vai além do drama dos trabalhadores da Vale ou das empresas prestadoras de serviço para a gigante mineradora. Lediane de Paula, de 25 anos, que mora na vila de Córrego do Feijão, ao lado da área arrasada pela avalanche, é filha de Cristina de Paula, de 40 anos, que morreu quando trabalhava na pousada Nova Estância, também destruída. Lediane é casada com Michel Guimarães, de 30 anos, monitor de educação física de alunos da rede municipal de ensino em Córrego do Feijão. Michel, por sua vez, perdeu o irmão, Reinaldo Guimarães, de 31 anos, no local.

Reinaldo deixou duas filhas: Duda, de 9 anos, e a mais nova, Isabella, de 2 anos, filha de Nathália Silva, de 30. “Morei numa pousada, paga pela Vale. Agora já saiu a minha casa.”

Evangélicos

Primeiro nome na lista de buscas, Angelita Assis, de 37 anos, deixou dois filhos: Sávio, de 15, e Samuel, de 13 anos. O pai dos meninos, Evanir Assis, de 40 anos, corretor de imóveis, ex-funcionário da Vale, onde trabalhou por 18 anos, evangélico da Igreja Batista Nacional Ebenezer, busca conforto na religião. É o autor da faixa exposta na cidade onde se lê: “Senhor, em ti me refugio até que passe a calamidade. Salmo 57, 1”. Estadão Conteúdo 
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