O episódio batizado como "Vaza Jato" não chegou a abalar as fundações da República, porém abriu uma série de questionamentos sobre o funcionamento do sistema jurídico brasileiro. Não apenas pela forma como as mensagens chegaram aos veículos de imprensa, mas também pelo modo como todos os personagens relacionados ao conteúdo reagiram à publicação de conversas privadas. O principal atingido até então, o ex-juiz Sérgio Moro, finge naturalidade, enquanto uma parcela expressiva da população segue uma lógica de rebanho ao não enxergar que há, no mínimo, imoralidade na relação entre o agora ministro e a força-tarefa da Operação Lava Jato.
Para além do escândalo em si, podemos observar um problema grave dessa "pós-modernidade líquida": a mensagem em si, por mais impactante que seja, merece ser descreditada e o emissor deve ser atacado. Uma parte dessa lógica é de responsabilidade dos veículos de imprensa, que optaram por descredibilizar o conteúdo ao invés de questionar a relevância das informações divulgadas. E, estando de qualquer lado das trincheiras ideológicas do Brasil atual, é inegável que um eventual relacionamento promíscuo entre o "herói nacional" e sua própria liga da justiça chama atenção e merece destaque.
Quem optou por colocar a Lava Jato sob esse estigma não foram The Intercept, Veja, Folha de S. Paulo ou BandNews FM, que já produziram conteúdos exclusivos sobre as mensagens privadas do Telegram de Deltan Dallagnol. Foram os próprios interlocutores dos diálogos, que fugiram da expectativa do nosso ordenamento jurídico. Ao agir de maneira politizada, juiz e procuradores assumiram um risco, provavelmente não calculado inteiramente, de colocar em xeque não apenas a própria credibilidade, mas também todo o trabalho de combate à corrupção, considerado o foco desse projeto.
A avaliação não é de que tenha havido somente perseguição ao PT, mas que, ao menos, o petismo tenha sido alvo prioritário desse aparente novo projeto de poder, encabeçado e simbolizado por Moro. Luiz Inácio Lula da Silva e seu séquito cometeram irregularidades enquanto estiveram no comando da nação e não foi somente a Lava Jato a dizer. Entretanto, um estado de exceção não é - ou não deveria ser - a solução para esses mal feitos. Os diálogos, todavia, sinalizam que o vale-tudo do antipetismo é maior do que qualquer regra vigente no país.
Ninguém é louco de tornar a Lava Jato uma operação menor ou menos importante na história. Todavia, a cada nova revelação da "Vaza Jato", os principais símbolos dela ficam mais desacreditados do que qualquer pessoa que torça por um Brasil melhor quereria. Por mais que insistamos em acreditar que os fins justificam os meios como uma desculpa para esconder toda essa sujeira para debaixo do tapete, carregaremos por muito tempo a responsabilidade de ter criado heróis que, em sua essência, são anti-heróis muito bem travestidos de salvadores da pátria.
Moro, Dallagnol e companhia não foram vítimas de um hacker. Foram da soberba de acreditar que são maiores do que deveriam ser. O susposto ataque que gerou toda essa celeuma política é algo bem simbólico em um país cuja racionalidade deixou de compor a realidade há tempos, pois de teoria de conspiração em teoria de conspiração fomos da mamadeira de piroca ao pavão misterioso e seguimos sendo uma republiqueta de fundo de quintal, com todos os grandes problemas em planos muito inferiores ao esperado.
Tenho, ao final, saudades de um tempo que nunca vivemos. Aquele em que não precisamos de alguém para nos livrar dos nossos próprios males. E, lamentavelmente, sempre seremos piores do que sempre quisemos ser. Triste Brasil.
Este texto integra o comentário desta segunda-feira (8) para a RBN Digital, veiculado às 7h e às 12h30, e para a rádio Excelsior. BN
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