Um dos principais organizadores do Sínodo da Amazônia na América Latina, um encontro com cerca de 250 bispos da Igreja Católica marcado para outubro no Vaticano por determinação do papa Francisco, o arcebispo da diocese de Huancayo, no Peru, Pedro Barreto Jimeno, disse que o presidente Jair Bolsonaro nega “visão comunitária” ao recusar ajuda internacional a fim de debelar incêndios na Amazônia. Ele disse que Bolsonaro também não deve aguardar pedido de desculpas do presidente francês, Emmanuel Macron, para receber a ajuda, e sim buscar “o bem comum”.
“Eu li há pouco que Bolsonaro aceitaria essa ajuda [financeira do G7] se o presidente Macron retirasse suas palavras. Aqui não se trata de retirar de palavras ou não palavras, o que se trata é buscar o bem comum, que está acima de qualquer disputa entre pessoas”, disse Barreto em entrevista à imprensa em Lima nesta quarta-feira (28).
Para o cardeal, “qualquer pessoa ou instituição que está numa situação difícil, aceita a ajuda para buscar o bem comum de todos”. “Há um despertar da consciência sobre a universalidade da Amazônia, a importância que ela tem para o mundo. Portanto fechar-se a uma experiência de solidariedade não cabe num mundo que quer unir-se novamente pelo cuidado da vida e da natureza”, disse Barreto.
O cardeal peruano é o vice-presidente da Repam (Rede Eclesial Pan-Amazônica), uma aliança entre religiosos católicos dos países amazônicos criada em 2014 e que desde o ano passado levanta subsídios para o Sínodo –o presidente da rede é o brasileiro Claudio Hummes. Ambos são próximos do papa Francisco.
A Repam ouviu mais de 87 mil moradores da Amazônica, segundo os organizadores, além de ter realizado 45 assembleias e outras 20 reuniões temáticas. Em outubro, são esperados 250 cardeais no Vaticano, dos quais 150 da região amazônica. Líderes indígenas também foram convidados a participar do evento. Ao final, o papa lerá uma mensagem sobre a Amazônia.
Barreto disse que a ajuda internacional para debelar incêndios na Amazônia “é um gesto de solidariedade mundial”. “Então se Bolsonaro não aceita essa ajuda, está negando essa visão comunitária. [Aceitar] sem perder a identidade do Brasil. A Amazônia brasileira será brasileira, peruana é peruana, mas tem que haver algo [pelo bem] comum”, disse o cardeal.
Indagado se os discursos de Bolsonaro sobre permitir mineração em terras indígenas e não demarcar mais nenhuma terra indígena em seu governo colaboram para incentivar a destruição da Amazônia, o cardeal concordou e disse que empresários que defendem essa posição têm interesses mesquinhos.
“Sim. Na verdade não conheço muito as declarações, mas sim no fundamento. É uma atitude, me parece, muito intransigente. É ver a Amazônia como propriedade que pode fazer com ela o que melhor me pareça. E inclusive os sindicalistas [empresários] estão apoiando essa posição de Bolsonaro, empresários. Mas são interesses, eu diria, mesquinhos, porque é aproveitar-se de população indígenas que ancestralmente estão presentes, antes da República no Brasil. Eles [indígenas] enriqueceram a Amazônia ao longo dos séculos. Eles saíram intercambiando dentro de suas populações. São mais de 390 populações indígenas amazônicas, mais de 240 línguas. […] O papa Francisco disse: 'Temos que aprender com eles'”, afirmou o cardeal.
Barreto também foi indagado sobre as reações do governo Bolsonaro ao Sínodo da Amazônia. Militares como o ministro e general Augusto Heleno (GSI) têm dito que não concordam com manifestações da Igreja que possam configurar ingerência na política brasileira para a Amazônia.
“Não sei [a posição oficial do governo]. Indiretamente, a posição do presidente Bolsonaro está indicando como que 'a Igreja não se meta em território que não lhe pertence'. Esta é a visão que temos. Não é oficial. Mas aqui temos que dizer com clareza que a Igreja Católica é universal, não tem fronteiras. As fronteiras quem criou foram os homens. A força da missão evangelizadora da Igreja é convocar a todos, sem excluir ninguém”, disse o cardeal.
Barreto citou passagem bíblica segundo a qual Jesus Cristo diz que “os filhos das trevas são mais astutos que os filhos das luzes”. O cardeal disse que gostaria de dizer a Jesus que hoje a situação está mudando. “Eu me alegro desse comentário de Bolsonaro [sobre o Sínodo] porque está ratificando o que lhes disse antes, 'agora os filhos da luz são mais astutos do que os filhos das trevas'. O despertar mundial tanto de políticos como de organizações do mundo todo. Eles estão levantando sua voz e estão expressando sua indignação que há hoje pelo maltrato da natureza. Que é um dom de Deus para todos, não para um grupo de privilegiados. Os recursos naturais que Deus pôs [no mundo] são para todos, não para alguns que se sentem donos, de alguma maneira, por séculos. Mas agora as coisas estão mudando. Ou nos salvamos todos ou perecemos todos”, disse o cardeal.
Segundo o cardeal, a Igreja está buscando esclarecer aos países amazônicos que o Sínodo não configura ameaça à soberania nacional. Ele contou que, em junho, foi convidado pela Secretaria de Estado do Vaticano a falar com embaixadores dos nove países amazônicos e núncios apostólicos, representantes do Papa. O Brasil não enviou um embaixador, mas sim um representante.
“Ali eu expliquei o que é Repam e disse que não se assustem. Porque a Igreja não está contra a identidade de cada país. Porque os países que formam a Amazônia têm que estar muito unidos e muito claros em respeito à vida e à Amazônia, como bioma. […] A Santa Sé, Secretário de Estado que tem relação com os países, convocou essa reunião para dissipar as preocupações”.
O cardeal peruano, contudo, vê possibilidade de problemas futuros caso “Bolsonaro seguir falando” sobre desmatamento na Amazônia. “Vai chegar um momento em que a população mundial e as autoridades mundiais vão dizer: 'Você não é dono da Amazônia. Você não pode desmatar toda a Amazônia porque nos afeta a todos'. Isso do ponto de vista científico, não religioso. Então a autoridade mundial, sem que isso signifique a internacionalização da Amazônia, todos temos que cerrar fileiras. Creio que é por aí que as coisas vão seguir.”
Barreto rebateu eventuais críticas sobre a Igreja citando o trabalho missionário na região amazônica. “A Igreja está presente na Amazônia e não vai embora quando se encherem suas malas. Há gente que, quando enche as malas, se vai da Amazônia. A Igreja fica e ficará até o final na Amazônia. Onde estão aqueles seringueiros, por exemplo, que afetaram as comunidades indígenas, no Peru, na Colômbia, no Equador? Onde estão os empresários que fizeram uma destruição na natureza e destruíram milhares de vidas indígenas? A Igreja continua aí, com suas luzes e com suas sombras, temos que reconhecer.” BN
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