Triste sina da Mulher Ketchup: 8 anos depois, Erenildes Aguiar enfrenta depressão

Por onde anda a Mulher Ketchup? (Foto: Arisson Marinho)

Chovia fino quando chegamos à casa da pindobaçuense mais famosa de todos os tempos. Trancada na residência, porta e janelas lacradas, Erenildes Aguiar Araújo, 40 anos, apareceu depois de alguma insistência.

“Tava dormindo. São os remédios”, desculpou-se. Para nós, um baque! Esperávamos uma pessoa espirituosa, queríamos trazer à atualidade a história de um crime pitoresco e sem vítimas fatais, apesar da quantidade de “sangue”. Nos deparamos com uma realidade difícil.

A louca trajetória da Mulher Ketchup se aproxima de um desfecho triste. A tragédia que tinha tudo para ter ocorrido oito anos atrás, como mais um crime de mando no interior da Bahia, agora tem forma de depressão severa e de luta contra o HIV.

Erenildes, personagem principal de um dos casos mais incríveis da história dos 40 anos do CORREIO, está muito debilitada. “Acho que tudo aquilo ajudou a me deixar desse jeito”, acredita.


Farsa montada (Foto: Reprodução)

.“Tudo aquilo” foi a trama em que Erenildes, também conhecida como Lupita, se envolveu no dia 24 
de junho de 2011. No dia de São João, tinha tudo para ter sido a vítima do ex-presidiário Carlos Roberto Alves de Jesus, contratado pela também dona de casa Maria Nilza Simões para matá-la. As suspeitas da época eram de que Maria Nilza disputava com Erenildes o amor do trabalhador rural Virlan Anastácio. Acontece que Carlos Roberto fez um acordo com a “vítima”, sua amiga de infância, Lupita.

Os dois encenaram tudo usando um pote de ketchup, uma mordaça e uma faca. Como prova de que o crime havia sido consumado, Carlos Roberto tirou uma fotografia da “morta” e entregou à mandante. A mulher acreditou na foto, apesar da montagem grotesca com a faca “encravada” debaixo da axila de Erenildes, que aparece na imagem amordaçada e o corpo labreado com o condimento. Maria Nilza então pagou R$ 1 mil a Carlos Roberto, que dividiu o dinheiro com Lupita.

Capa do CORREIO, de 22 de setembro de 2011 com a história de Erenildes

A farsa foi descoberta três dias depois, quando Maria Nilza viu o ‘assassino’ e ‘vítima’ na feira - os dois estariam aos beijos. Nilza ainda foi na delegacia dar queixa de estelionato.

Era o molho que faltava. Com todos esses ingredientes surreais, a partir da reportagem do CORREIO (na verdade o primeiro a contar essa história foi o radialista local Walterley Kuhin), Erenildes virou notícia nos maiores sites e jornais do Brasil e do mundo.
Mendigo
Dos principais personagens da época, apenas Erenildes e Maria Nilza permanecem em Pindobaçu, a 400 km da Salvador. Virlan, que chegou a morar com Erenildes, teria virado mendigo e depois desapareceu da região. “Ele bebia muito e virou morador de rua. Sumiu!”, conta Erenildes.

“Foi ele que me passou HIV”, afirma. Carlos Roberto, o pistoleiro, chegou a ser preso por outros crimes, mas de uns tempos para cá também não foi mais visto. “Tem anos que não vejo. Dizem que mataram”.

Maria Nilza na época: mandante? (Foto: Reprodução)

Erenildes relata que tinha uma vida normal antes de ser assediada por TVs e jornais. Do Fantástico ao Programa do Ratinho, do jornal espanhol El Pais ao inglês The Guardian, do Mais Você de Ana Maria Braga à Datena, todos só queriam Ketchup.

“Perdi minha privacidade. Me arrependo do que fiz, mas também fui muito explorada”, conta. Até música a Mulher Ketchup ganhou. A banda Primodart criou um hit que tocava nas festas. A composição foi proibida depois que Lupita foi à Justiça.
Maria Nilza na época: mandante? (Foto: Reprodução)

“Ela achou que ia ganhar alguma coisa com esses convites, com essa exposição, mas no final das contas não levou nada”, disse Deusdete Moraes da Silva, 66 anos, amigo da família que todos os dias visita Erenildes. “Fomos criados juntos”. A última cartada da Mulher Ketchup foi a candidatura para vereadora, lançada nas eleições de 2012. Lupita não obteve a votação suficiente para ser eleita. 

Caps
A Mulher Ketchup vive hoje em uma casa extremamente simples, de dois quartos improvisados, sala e cozinha. Não sai dali para quase para nada. Sob efeito de remédios, dorme boa parte dos dias.

“De vez em quando vai à igreja evangélica, ali perto, e volta pra casa”, conta o vizinho, Manuel Pereira. A casa pertence ao pai, que mora com a esposa e a filha de Erenildes em outro imóvel. A Mulher Ketchup se sustenta com um salário mínimo da aposentadoria por invalidez. 

Pelo menos uma vez por semana Erenildes sai de casa para buscar remédios e seguir o tratamento no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) da cidade. Toma três medicamentos para depressão e mais o coquetel anti-aids.

Os funcionários da unidade de saúde confirmam que Erenildes tem depressão desde antes do caso do Ketchup. “O quadro dela se agravou com essa história”, contou a enfermeira Jozilda Tomaz Aguiar.
Maria Nilza na época: mandante? (Foto: Reprodução)

Localizamos também a mandante do crime. Maria Nilza manteve a versão de que foi vítima de um golpe de Carlos Roberto e Lupita. Mas, na Delegacia de Pindobaçu, encontramos um dos agentes que investigaram o caso na época. Identificando-se apenas como Enéas, ele conta que a versão da farsa com o ketchup se mostrou a mais coerente. Ele informou que o inquérito policial 39/11 foi finalizado e o caso remetido à Justiça. 

No fórum, um dos funcionários do cartório, Cícero da Silva Júnior, disse que o processo foi arquivado. O caso havia sido registrado como estelionato. Mas, perguntamos, quem foi o estelionatário de quem? “Deus é que sabe. Tem casos que nem o Direito consegue entender”.
Fonte: Correio 24h
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