Assim como aconteceu com a hidroxicloroquina no início da pandemia do novo coronavírus no Brasil, as farmácias de Salvador enfrentam a falta de um novo medicamento que promete o milagre da cura da Covid-19: a ivermectina.
A ivermectina é um remédio usado no tratamento de infecções causadas por vermes e parasitas e que ganhou destaque a partir do mês de abril, depois de um estudo da Biomedicine Discovery Institute (BDI), em Melbourne (Austrália), publicado na Antiviral Research, indicando que o medicamento foi capaz de conter o avanço e inibir a replicação do SARS-CoV-2 (Covid-19) em teste in vitro (em laboratório).
De acordo com o médico infectologista Matheus Todt, o fato de o teste ter apresentado resultado positivo em laboratório não significa que ele possa realmente agir contra o vírus quando utilizado por humanos, podendo não ser eficaz.
Em estudos anteriores, a ivermectina chegou a apresentar eficácia para frear a replicação de alguns vírus, como o da dengue e até o vírus da Aids (HIV), mas, assim como na Covid-19, sua eficácia também não é comprovada.
A popularização do medicamento começou quando o estudo foi publicado pela Antiviral Research e difundido de forma precipitada pelos aplicativos de mensagem, a exemplo do WhatsApp, como uma cura oficial do vírus. Com isso, houve o aumento da procura do remédio nas farmácias e, consequentemente, sua rápida falta em estoque.
A jornalista Mara Rocha, residente em Salvador, só conseguiu encontrar o medicamento para o filho Mateus Delazzo, de 4 anos, na cidade de Feira de Santana (a 112km da capital baiana) por conta do pai de Mateus que estava trabalhando na cidade.
Segundo Mara, Mateus tinha pego uma escabiose por conta do gato e ela precisou da ivermectina, receitado por uma pediatra que realizou a consulta.
“Tinha que ser ele, porque, nas palavras da médica, era o que daria o melhor resultado no tratamento do meu filho. Corri as farmácias da Barra, Ondina e Rio Vermelho, inclusive as das grandes redes, mas em todas o medicamento estava em falta”, relata Mara.
O Portal A TARDE procurou o medicamento em três farmácias de Salvador e em todas ele estava em falta. Foram procuradas pela reportagem a Drogasil, no bairro do Imbuí; a Extrafarma, da Piedade; e a Farmácia Preço Popular, na avenida Sete de Setembro.
Perigos
Segundo o infectologista Matheus Todt, a ivermectina é um parasiticida de ampla ação que normalmente não apresenta efeitos colaterais graves. Pacientes que se automedicam com o remédio podem reações adversas, como diarreia, tontura, erupção na pele, coceira e agravamento da asma.
Em boletim divulgado no final de maio sobre drogas em potenciais que estão sendo testadas para combater o novo coronavírus, a Organização Mundial da Saúde (OMS) cita tanto o estudo in vitro da BDI quanto mais dois clínicos observacionais que foram concluídos com a ivermectina.
Contudo, quando se relaciona com os estudos em humanos já finalizados, a OMS classifica a droga como tendo avaliação baixa na pesquisa, indicando que não se pode ter certeza sobre os resultados de sua utilização.
Além disso, o desabastecimento em farmácias provoca um outro tipo de risco: uma grande quantidade de medicamentos estocados e pacientes que precisam do remédio e não estão encontrando.
“A pediatra me pediu que eu desse logo este remédio para Mateus e que tinha que ser ele, porque, nas palavras da médica, era o que daria o melhor resultado no tratamento do meu filho. Com isso quase tive o risco do meu filho ficar sem o tratamento”, alerta Mara.
Ansiedade
A procura desenfreada de medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina pela população nas farmácias pode ser explicada por conta da ansiedade gerada pela amplitude que a Covid-19 ganhou no mundo, como explica a pneumologista Larissa Voss Sadigursky.
Para Larissa, por não existir uma forma de definir como o vírus vai avançar em determinado paciente, a solução que muitos encontram é acreditar que estes medicamentos possam trazer alguma cura milagrosa.
“Não temos nenhum exame que seja feito na fase precoce que defina que o paciente A vai evoluir porque tem exame alterado. O paciente B vai ser desse jeito porque não tem. A gente não sabe, porque estamos descobrindo e tratando junto com os pacientes”, comenta Larissa.
Além da disseminação distorcida das informações pelas redes sociais, o infectologista Mateus Todt também ressalta o agravamento do fato quando profissionais de saúde apoiam o uso destes medicamentos sem confirmação científica.
“O mais grave é que inúmeros médicos, bem como outros profissionais da saúde, que deveriam estar ajudando a orientar a população e a desmascarar as informações equivocados, estão contribuindo com a propagação da desinformação”, explana.
Países que utilizam
Mesmo com resultados inconclusivos apontados pela OMS, alguns países estão adotando a utilização da ivermectina nos tratamentos de casos confirmados de Covid-19.
Como aconteceu com a Bolívia e o Peru, que autorizaram a utilização da droga tanto nos casos leves, quanto nos casos severos da doença. Porém, por não ter pesquisas conclusivas sobre a eficácia do medicamento, os países afirmam que a utilização dele deve ser decidida entre o médico e o paciente.
O Ministério da Saúde do Brasil e a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos da América afirmam que a ivermectina ainda não é indicada e nem pode ser utilizada no tratamento da Covid-19.
O Portal A TARDE entrou em contato com o Conselho Regional de Farmácia do Estado da Bahia (CRF-BA) para saber o posicionamento da entidade sobre o caso, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.
O mais grave é que inúmeros médicos, bem como outros profissionais da saúde, estão contribuindo com a propagação da desinformaçãoMateus Todt, médico infectologista
Apelo
Pacientes e profissionais de saúde pedem para que a população pesquise antes de utilizar qualquer medicamento e começar a fazer estoque, deixando-o em falta nas prateleiras das farmácias.
“Que fique o alerta para todos. Amanhã pode ser outro medicamento em falta no mercado porque alguém estocou para um tratamento contra a Covid-19, ainda em teste e sem comprovação científica”, diz Mara.
Já a médica pneumologista Larissa Voss Sadigursky alerta para o fato dos médicos também estarem passando por um momento delicado nesta pandemia. “A gente se sente impotente porque os pacientes têm dúvida e a gente também. Estamos aprendendo aos poucos com os artigos que são publicados constantemente”, desabafa a médica.
Larissa também orienta que o paciente que não esteja se sentindo bem, procure imediatamente uma unidade hospitalar: “Eu acredito que uma abordagem precoce do paciente seja de grande valia”.
Por fim, Mara faz um apelo a todos que estão estocando a ivermectina, assim como ocorreu com a hidroxicloroquina no mês de março.
“O meu apelo é que as pessoas tenham o bom senso de somente tomar medicações se realmente precisarem. Não estoquem medicamento e não corram para a farmácia todas as vezes em que uma mensagem no WhatsApp chegar com indicação de cura para a doença. Dessa forma, vocês vão deixar o remédio para quem realmente precisa, inclusive pessoas que estão na linha de frente, mais expostas ao vírus”, finaliza Mara Rocha.
Fonte: A Tarde
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