O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, gerou polêmica ao afirmar que acabou com a Lava Jato, criando um clima de incertezas em Brasília. Para discutir os objetivos da declaração, a Sputnik Brasil ouviu um jurista e um cientista político, que apontaram os limites e as intenções da fala do presidente.
Na quarta-feira (7), durante uma cerimônia em Brasília, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, disse que acabou com a Lava Jato “porque não tem mais corrupção no governo”. A declaração gerou polêmica e repercutiu na imprensa e nos corredores da política brasileira.
Para Geraldo Tadeu Monteiro, cientista político e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), além de uma provocação para ganhar holofotes, a declaração de Bolsonaro é um recado direto para o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
“A declaração do presidente Bolsonaro mostra um pendor que ele tem para criar frases de efeito, para provocar os adversários, para provocar comentários, e nesse caso, especialmente, uma tentativa de colocar na defensiva o ex-ministro Sergio Moro. Na verdade, significa que ele [Moro], seu combate, sua ideologia, não são mais necessários no Brasil, uma vez que já se cumpriu a tarefa de acabar com a corrupção”, avalia Monteiro em entrevista à Sputnik Brasil.
O professor da UERJ destaca ainda que o “autoelogio” de Bolsonaro tem caráter estritamente político e caracteriza uma tentativa de prejudicar adversários. Além de tentar neutralizar Sergio Moro, ciente de que o ex-juiz é um possível candidato à Presidência em 2022, Monteiro acredita que Bolsonaro também mandou um recado aos aliados do Centrão.
“O alvo também é a base do governo, o próprio Centrão, porque, segundo estatísticas, 40% dos parlamentares ligados ao Centrão respondem a algum tipo de processo na Justiça. Então não só é uma tentativa de neutralizar a importância da figura de Sergio Moro, mas também é uma maneira de acenar em direção à sua própria base parlamentar”, afirma.
Apesar de ainda haver bastante tempo para as eleições de 2022, o cientista político alerta que Sergio Moro precisa tomar uma decisão a esse respeito em breve, uma vez que corre o risco de começar a perder a influência que conquistou. Monteiro ressalta, porém, que Moro continua sendo uma figura importante e divisiva dentro do bolsonarismo.
“Eu diria que há uma luta interna dentro do campo bolsonarista, entre os lavajatistas, que não necessariamente são fãs incondicionais do presidente Jair Bolsonaro, e os bolsonaristas de raiz, aqueles que chamam o Bolsonaro de mito, que nas redes sociais e no dia-a-dia defendem vivamente o governo dele – hoje nós temos as pesquisas mostrando mais ou menos um terço do eleitorado aprovando o seu governo. Então, há dentro do bolsonarismo sim uma disputa de espaço, uma disputa de poder, e hoje os lavajatistas estão perdendo”, aponta o professor da UERJ.
Bolsonaro não tem poder para acabar com a Lava Jato, mas pode miná-la
Marcelo de Carvalho, advogado criminalista e professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), recorda que apesar do voto dado contra a Lava Jato em seu discurso, Bolsonaro não tem poder institucional para encerrar a operação.
“Ele [Bolsonaro] não tem esse poder institucional, o Ministério Público constitucionalmente goza de autonomia. Então, essa operação não pode ser iniciada pelas mãos da Presidência da República e, tampouco, pode ser finalizada”, afirma Carvalho em entrevista à Sputnik Brasil.
O advogado criminalista, no entanto, ressalta que Bolsonaro tem outros meios para minar o trabalho da Lava Jato e lembra que o presidente ignorou a lista tríplice do Ministério Público quando indicou o atual procurador-geral da República, Augusto Aras. Para ele, Bolsonaro vem colecionando inimigos dentro da instituição e ainda é cedo para garantir aos seus eleitores que o atual governo é livre de corrupção.
“Para além dessa satisfação moral dos eleitores, o sinal é de que estamos agora alinhando os interesses políticos – e aqui não é uma análise jurídica – com o Centrão. Sabendo que, embora o presidente não tivesse colocado fim à Lava Jato, [ele] vem minando essa operação e outras tantas que pudessem chegar, sobretudo, nos seus familiares e nos seus aliados. A saída de Sergio Moro não foi de graça, não foi algo que veio do acaso”, afirma.
Carvalho recorda também que há diversas críticas à atuação do ex-juiz e ex-ministro e ressalta que a própria Lava Jato está envolvida em polêmicas.
“A gente sabe que a corrupção é um câncer da administração pública, ela atravanca a administração pública de todas as formas. Então, todos nós somos anticorrupção, é verdade. Mas, o problema todo é a forma como se apurou a Lava Jato, muitas das vezes agindo à revelia da lei. Não só a atuação dos procuradores da República, mas sobretudo a atuação daquele que era o juiz que conduzia essa operação em Brasília, estamos falando do ex-juiz Sergio Moro. Foram muitos excessos cometidos que, de fato, são um verdadeiro calcanhar de Aquiles e agora, oportunamente, se levantam esses questionamentos sobre a legalidade da operação”, aponta.
O professor de Direito Penal da UFF salienta o papel da Polícia Federal nas ações desenvolvidas pela Lava Jato e demonstra preocupação com o poder de influência de Bolsonaro sobre a instituição. Para ele, é “muito claro e óbvio”, que Bolsonaro busca intervir na Polícia Federal.
“Eu quero crer que no final disso tudo o debate político se mantenha sem que se faça o boicote dessas instituições – a Lava Jato não é uma instituição, mas o Ministério Público é, a Polícia Federal é – essas instituições garantidoras da democracia e fundamentais para termos uma sociedade melhor”, conclui.
Fonte: Sputnik News
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