Bahia é 3º estado do Brasil que mais matou mulheres trans e travestis em 2020


    Em outubro de 2020, uma travesti foi morta a tiros em Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia — Foto: Anderson Oliveira / Blog do Anderson

A Bahia é o terceiro estado do Brasil com maior registro de assassinato de mulheres transexuais e travestis em 2020. O relatório é da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), que alerta anualmente para o crescimento das mortes violentas da população trans do país.

Comparando com 2019, quando oito mulheres trans morreram por causa da violência na Bahia, no ano passado foram 19 trans assassinadas – um aumento de 137,5%. No ano passado, a Antra não registrou assassinatos de homens trans.

O levantamento da Antra é feito de forma quantitativa, porque o Brasil não produz dados demográficos a respeito da população trans. Atrás de São Paulo e Ceará, o estado baiano já figurou o segundo lugar em dois anos consecutivos: 2017 (17 assassinatos) e 2018 (15).

Assassinatos registrados de pessoas trans em 2020

Ranking Estado Mortes
1º SP 29
2º CE 22
3º BA 19
4º MG 17
5º RJ 10
6º AL 8
7º PE 7
8º RN 7
9º PB 5
10º PR 5

Fonte: Antra

De modo geral, a maioria das vítimas mortas estão no Nordeste: 43% delas. O percentual é seguido pelo Sudeste (34%); Sul (8%); Centro Oeste e Norte, (ambas regiões com 7%). Nacionalmente, a idade média de trans assassinadas é de 29,5 anos.

A maioria das trans vítimas de assassinato em 2020 tinha entre 15 e 29 anos: 56% delas, o que indica a morte prematura de jovens. Em 28,4% dos registros, as idades variavam entre 30 e 39 anos.

Trans com idades entre 40 e 49 anos representam 7,3% das mortas, percentual que sobe para 8,3% no caso das vítimas entre 50 e 59 anos. A Antra não encontrou casos de pessoas trans, com mais de 60 anos, assassinadas em 2020.

O perfil das vítimas é essencialmente o mesmo: mulheres trans e travestis negras, prostitutas, mortas na rua por desconhecidos.
Maioria das trans assassinadas são negras, prostitutas e são mortas em espaços públicos, com requintes de crueldade — Foto: Anderson Cattai/G1

Para fazer o levantamento, a Antra parte de pesquisas em reportagens, que são feitas diária e manualmente. Além disso, há casos que são registrados por instituições de defesa e apoio da população LGBT.

Apesar do crescimento substancial, os dados não refletem uma realidade exata, por causa da subnotificação das mortes de trans e travestis.

Denúncias e falta de dados

        Travesti morre após ser baleada em Piatã, bairro de Salvador — Foto: Cid Vaz/TV Bahia

Um dos casos que exemplificam essa subnotificação é o de uma travesti assassinada a tiros aos 44 em Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia, em outubro. O crime aconteceu durante uma madrugada, no bairro Sumaré.

A vítima só foi reconhecida como travesti após repercussão da notícia por moradores da cidade, que informaram a identidade de gênero à mídia. Até a última atualização desta reportagem, ela não teve nome social divulgado pela polícia.

Após oito meses do caso, a delegacia ainda não concluiu a autoria e motivação para o crime. Por meio de nota, a Polícia Civil informou que testemunhas foram ouvidas e laudos analisados, mas ninguém foi preso.

Caso semelhante aconteceu na capital, há um ano. Uma travesti também foi morta a tiros na Avenida Octávio Mangabeira, em frente a um estabelecimento comercial.

Apesar do inquérito ter sido concluído e encaminhado ao Ministério Público da Bahia (MP-BA), o relatório foi inconclusivo. Sem a divulgação do nome da vítima, não é possível solicitar aos órgãos públicos o andamento da denúncia.

Dentre as violências contra a população LGBT, as transexuais e travestis são as principais vítimas da violência na Bahia, como pontua o coordenador de Políticas LGBTs da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS), Kaio Macedo.

“A gente reconhece e não pode deixar de reconhecer, que entre a população LGBT, as pessoas trans são as que mais sofrem violência. E é preciso urgentemente um processo de mobilização dos municípios".

Os casos de violência contra a população trans são monitorados pela secretaria, por meio da Coordenadoria, que é responsável pelo acompanhamento e construção de políticas públicas para essa população.

"A gente pede sempre os relatórios, fazemos monitoramento junto às delegacias, sempre nos trimestres. Mas como são muitas delegacias, a gente não tem resposta de todas elas. Esse é um problema geral, da falta de informações relacionadas às pessoas LGBTs, principalmente nos casos de violência.

Mesmo com essa verificação individual, faltam informações relacionadas aos casos que envolvem pessoas LGBTs, assim como é argumentado pela Antra.

Nos casos de violência contra pessoas trans, o que acontece é que muitas vezes as delegacias registram as ocorrências sem levar em conta a especificação da identidade de gênero das vítimas.

"Cada caso tem a sua especificidade e isso nem sempre está no registro nos boletins de ocorrência, mesmo com um decreto do governador assegurando o direito do nome social na administração pública. Então, depende muito de como essa violação está sendo investigada".

Com o exemplo da travesti assassinada em Vitória da Conquista, Kaio explica sobre o processo de capacitação dos agentes de força e segurança, para a sinalização correta com respeito à identidade das vítimas, além da instrução do decreto estadual, que assegura o direito ao nome social.

Outro impasse vivido na construção de dados para mapear a realidade da violência contra trans é o receio das vítimas de denunciarem os casos. O medo parte por diversos pontos: as ameaças infringidas pelos agressores; a culpabilização da vítima; o mau tratamento nas delegacias; a falta de assistência jurídica, além da falta de credibilidade da Justiça na resolução dos problemas.

"Existe uma ideia de que a denúncia não resolve, e a gente tem engrenado isso com ações de comunicação. Já entregamos duas cartilhas, uma delas com detalhes sobre a pós-violência LGBT, justamente para tentar alcançar mais pessoas incentivando a denúncia".

A dificuldade também é pautada pela falta de uma coordenação nacional, por exemplo. Sem um regimento aplicável a todos os estados, cada governador decide por si a execução de políticas, o que reafirma a posição do Brasil como o país que mais mata travestis e transexuais do mundo.

A falta de dados também contribui com a dificuldade da implementação de políticas públicas de combate à violência. Na Bahia, o Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT é um dos responsáveis pela formulação e execução dessas medidas.

"Nós já temos políticas em execução, como por exemplo o Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT. O conselho trabalha na construção do Plano Estadual de Políticas LGBTs, que vai ser entregue em dezembro. Esse planejamento é o que vai subsidiar o governo para as políticas públicas e, como ele não tem um prazo de validade, poderá passar por processo de adaptação ao longo dos anos", explica Kaio.

Políticas públicas e acolhimento

         Casarão da Diversidade, em Salvador — Foto: Divulgação

O conselho foi criado por uma lei estadual de 2014 e desde então atende vítimas de violência dos 417 municípios da Bahia. Com menos de 10 anos de funcionamento, a construção de políticas públicas ainda é recente.

Entre essas políticas estão: educação sobre os direitos das pessoas LGBTs nas instituições públicas estaduais, promoção e defesa dos Direitos Humanos e LGBTs, acompanhamento jurídico e psicológico de casos de violência.

"Um dos equipamentos da secretaria é o Casarão da Diversidade, que atende os 417 municípios, com atendimentos remotos ou por visita técnica. Lá, as pessoas recebem apoio jurídico, de assistência social, psicológico e educação, no sentido de pedagogia mesmo. A gente atua nesses quatro eixos centrais".

É no Casarão da Diversidade que as vítimas podem encontrar acompanhamento para fazer as denúncias. Nos casos de Salvador, por exemplo, uma equipe acompanha a pessoa na delegacia, para garantir a tipificação do crime.

"Nós também fazemos o acolhimento. Nos casos em que a gente percebe que a pessoa precisa de um acompanhamento mais de perto, a gente aciona nossa rede de universidades, núcleos de assistência psicossociais, o Ministério Público, a Defensoria Pública, para garantir que a vítima seja assistida", detalha Kaio.

Além disso, na Bahia existe uma articulação da SJDHDS com a Ouvidoria Geral do Estado, para abrir canais de acolhimento às vítimas de violência, com canais de denúncia.

"Esse é um pontapé para a gente fazer levantamentos, investigar os territórios onde ocorrem as maiores violações de direitos, quais são os tipos de violações, para que a gente possa implementar políticas mais estratégicas. É um avanço, porque a gente vai conseguir dados oficiais do estado, e é justamente essa falta de dados que dificulta a aplicação das políticas".

Fonte: G1 Bahia

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