O cantor Gilberto Gil, 79 anos, tomou posse da cadeira 20 da Academia Brasileira de Letras (ABL). A cerimônia para torná-lo um imortal, como são chamados os acadêmicos, ocorreu na noite desta sexta-feira (8/4), no Rio de Janeiro.
Gilberto Gil iniciou o discurso de posse lembrando que é o primeiro representante da música popular brasileira a fazer parte da academia. “Entre tantas honrarias que a vida generosamente me proporcionou, essa tem para mim uma dimensão especial. Não só porque aqui é a casa de Machado de Assis, um escritor universal, afrodescendente como eu, mas também porque a ABL, fundada em 20 de julho de 1897, representa, mesmo para quem a critica, a instância maior que legitima e consagra de forma perene a atividade de um escritor ou criador cultura em nosso país", afirmou o compositor.
O ex-ministro da Cultura aproveitou a oportunidade para ressaltar o momento difícil que a cultura e os artistas têm vivido no país. Gil pontuou que a ABL tem grande responsabilidade no fortalecimento da imagem intelectual do país, que forma que “se imponha à maré do obscurantismo, da ignorância, e demagogia de feição antidemocrática”.
"Poucas vezes na nossa história republicana o escritor, o artista, o produtor de cultura, foram tão hostilizados e depreciados como agora. Há uma guerra em prol da desrazão e do conflito ideológico nas redes sociais da Internet, e a questão merece a atenção dos nossos educadores e homens públicos", acrescentou o artista, que recebeu aplausos neste momento do discurso.
Gilberto Gil foi eleito para a cadeira 20 da academia em novembro de 2021. Na ocasião, o agora imortal recebeu 21 votos favoráveis entre os 35 membros da instituição. Ele ocupa o lugar deixado pelo advogado, jornalista e escritor brasileiro Murilo Melo Filho, falecido em 2020. Durante o discurso, Gil pincelou sobre a trajetória daqueles que já ocuparam a vigésima cadeira, como o patrono Joaquim Manuel de Macedo, e o fundador foi Salvador de Mendonça.
Finalizando os cerca de 30min de discurso, Gilberto Gil recordou a capa de seu segundo LP, lançado em maio de 1968, em que aparece vestindo um fardão, semelhante ao usado pelos acadêmicos da ABL, como uma crítica à instituição.
“Sempre houve críticas à Academia, que a casa de Machado não faria jus ao sonho que sonhara ser um dia. Todos ali representados por alguns. Tal ampla representatividade sonhada por Nabuco e demais fundadores, jamais fora alcançada de verdade, jamais todos os saberes e sabores. Eu mesmo, nos meus tempos de aventuras, cheguei a envergar um garboso fardão vestido então como ironia dura à fantasia, pura da ilusão. Juntava-me naquele instante aos muitos que alfinetavam a instituição. Mal sabia eu quais os intuitos do destino astuto a interrogação”, falou.
“Um amigo meu lembro-me agora, há poucos dias, que as ironias sempre trazem seu revés. Papéis trocados, eis aqui vida vadia, fardão custoso, bordado a ouro, vistoso, me revestindo da cabeça aos pés”, concluiu.
Por Aline Brito / Correio Braziliense / Foto: Mauro Pimentel / AFP