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Por Paulo Roberto Sampaio, Henrique Brinco e Guilherme Reis
O ex-secretário de Saúde da Bahia, Fábio Vilas-Boas, agora tenta voltar ao mundo político com um novo desafio: a campanha para deputado federal pelo MDB. O ingresso no partido, aliás, ocorreu depois de muita especulação e foi um prenúncio da ida da agremiação para a base do pré-candidato do PT ao Governo da Bahia, Jerônimo Rodrigues. Em entrevista à Tribuna, o cardiologista faz um balanço da passagem pela gestão estadual e faz projeções para a eleição de 2022.
Tribuna - O senhor foi um dos mais emblemáticos secretários do governo Rui Costa, foi o que mais apareceu. Quais foram os principais avanços da sua gestão?
Fábio Vilas-Boas - Quando o governador me convidou, em 2014, eu tratei de montar uma equipe e um diagnóstico situacional. Era muito claro que havia problemas. Primeiro era a concentração de serviços de média e alta complexidade na capital. Fato que é comum a praticamente todos os estados do Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Acaba todo o interior demandando à capital e precisando fazer aquilo que todo mundo chama de regulação. O segundo grande problema era a ausência de serviços de média complexidade ambulatorial especializada, ou seja, havia um vazio assistencial entre o posto de saúde e a atenção hospitalar. Avançamos nos últimos 20 anos com a cobertura de saúde da família. Conseguimos ter na Bahia uma taxa de cobertura superior a 75% em toda a Bahia. Se excluir a capital, isso chega a 84% da população com acesso a um médico de saúde da família. Esse avanço é muito expressivo. Mas, essa atenção não era resolutiva. O médico só tinha acesso ao conhecimento dele e, quando precisava de uma avaliação especializada ou exames complementares sofisticados, isso não existia. Acabava a Prefeitura comprando os serviços na rede privada ou a população pagando do próprio bolso. Muitos, sem dinheiro, não faziam os exames e não tinham o tratamento correto. A doença acabava evoluindo de forma natural e iam parar na porta do hospital com um AVC, com um câncer ou com um pé amputado.
Tribuna - O que foi feito?
Fábio Vilas-Boas - Houve a decisão por parte do governador de implantar um programa de descentralização dos serviços da capital para o interior e regionalização criando ilhas macrorregionais, onde tudo seria ofertado. Do ponto de vista da alta complexidade, criou-se um programa de construção de novos hospitais onde não havia e duplicação dos hospitais existentes, e um programa de modernização e inclusão dos serviços de alta complexidade nas unidades já existentes.
Tribuna - Em termos de números, quantos hospitais e policlínicas foram construídas?
Fábio Vilas-Boas - Nos oito anos do governador Rui Costa foram construídos e ampliados 21 hospitais, incluindo os que estão em obras, como o Hospital do Extremo-Sul e o Hospital Ortopédico. E também maternidades. Um investimento que jamais havia sido feito, porque a gente entende a rede da saúde como uma rede. Não adianta investir apenas na capital, ampliando, se você está obrigando uma pessoa a vir de Barreiras para Salvador fazer uma quimioterapia e voltar de ônibus vomitando para sua casa. E era assim que a saúde funcionava na Bahia. Até a chegada do Governo Wagner, havia vários anos que não se construía hospitais no interior do Estado. Jaques Wagner teve a oportunidade de construir quatro novos hospitais. Como esse processo não é contínuo, o próximo governador vai continuar nesse processo de crescimento no sentido de interiorizar a medicina. É fundamental que, quem venha a ser o próximo governador da Bahia, mantenha esse projeto de descentralização. Que não seja apenas Salvador. A gente precisa dar condições de continuar levando saúde para o interior. Fizemos isso com os hospitais e com a atenção média especializada, construindo as policlínicas regionais de saúde, que são estruturas que oferecem exames e consultas especializadas onde não existia. Em 2015, a Bahia tinha duas máquinas de ressonância magnética no SUS. Hoje temos 36 máquinas de ressonância. Hoje você marca uma tomografia computadorizada no mesmo dia ou de um dia para o outro.
Tribuna - São quantas novas policlínicas?
Fábio Vilas-Boas - São 26 policlínicas, considerando as duas que estão prontas em Salvador desde junho do ano passado e que a Prefeitura ainda não colocou para funcionar. Isso é digno de nota, porque é lamentável. O equipamento está pronto e a prefeitura não coloca para funcionar apenas por uma questão de querer economizar dinheiro. As filas estão aí em vários locais onde a Prefeitura de Salvador possui contratos terceirizados e as policlínicas, que são equipamentos públicos, que deveriam ser operados pela Prefeitura não estão em operação.
Tribuna - Isso tudo beneficia a economia regional também.
Fábio Vilas-Boas - Uma das formas de injetar recursos na economia é através da saúde. Um hospital tem toda a parte de hotelaria, pessoas que arrumam as camas, lavanderia, higienização, segurança, limpeza, refeitório... Isso tudo beneficia a cidade e a região onde aquela unidade está inserida. Outras empresas acabam se instalando. Se você pegar a parte de lavanderia, hoje não se lava mais dentro do hospital. Um empresário vai investir na lavanderia para lavar a roupa do hospital. A mesma coisa é alimentação, segurança... Todos esses serviços que não são finalísticos são providos por empresas especializadas a um custo mais básico.
Tribuna - O principal desafio da sua gestão foi a Covid. Quais foram os desafios desse período? O que poderia ter sido diferente?
Fábio Vilas-Boas - A pandemia foi um desafio para todos os gestores do planeta. Nunca tínhamos enfrentado uma pandemia durante o processo de globalização atual. A última pandemia foi feita em um cenário onde o deslocamento era feito de maneira muito mais lenta, com transporte de navio e comunicação e ciência muito mais atrasadas. Essa pandemia foi um teste para a humanidade. E eu posso dizer com segurança que a humanidade deu uma demonstração de capacidade de enfrentamento a essa e outras pandemias que virão no futuro. Falta uma maior homogeneidade nas ações de combate no planeta. Assim como houve no Brasil, a gente precisa reduzir uma série de assimetrias. De um modo geral, os países que possuem um sistema único de saúde se deram melhor que os países que não os possuem. O SUS saiu bastante fortalecido, porque conseguia falar uma linguagem de cima para baixo e em todos os estados. Lamentavelmente, tivemos trabalhando contra a saúde falas do presidente da República. Mas, graças a essa força do sistema de saúde, ele foi contradito pelos órgãos estaduais e os próprios governadores do Brasil se uniram para assumir a liderança. Lamentavelmente, vimos um país que devia ter um líder único marchando contra a defesa da população e isolado, tendo outorgado a liderança aos governadores todo esse processo.
Tribuna - E na Bahia? Como foi esse combate?
Fábio Vilas-Boas - O caso da Bahia é um caso à parte em todo o país. Tivemos desde o começo uma compreensão da gravidade da situação. Isso foi levado ao governador ainda em janeiro de 2020. Como médico, expliquei que a principal ação seria ampliar a capacidade de diagnóstico no Estado. Sem diagnóstico você não acerta o tratamento. Diagnóstico numa pandemia viral significava ter a capacidade de fazer RT-PCR. O Lacen fazia 15 diagnósticos por dia. A gente colocou para rodar 24 horas, sete dias por semana, construímos um prédio de dois andares exclusivo para biologia molecular, compramos diversos kits de extração... Isso permitiu ao Governo do Estado tomar decisões pontuais. Ao invés de fazer lockdown geral, a gente foi fechando na medida que a doença foi progredindo. Chegamos a fazer 7.500 exames RT-PCR por dia no Lacen. Isso ajudou e houve por parte da nossa sociedade amplamente uma complacência e uma cooperação que foi fruto do trabalho da imprensa, que salvou muito mais vidas que todos os leitos de UTI que a gente abriu no interior da Bahia. Seria impossível pagar para fazer anúncios do tipo 'lave as mãos, use álcool em gel e use máscara'. Isso fez com que a Bahia tivesse uma das menores taxas de incidência de Covid e a segunda menor taxa de mortalidade por Covid no Brasil.
Tribuna - A pandemia acabou? O uso de máscaras foi revogado na Bahia e a oposição está afirmando que isso foi uma medida eleitoreira...
Fábio Vilas-Boas - Quem decreta a existência de pandemia ou a sua inexistência é a OMS. Não cabe ao Brasil decretar o fim da pandemia. O que estamos vivendo nesse momento é uma redução expressiva do número de novos casos e a circulação do vírus caiu drasticamente. A decisão de retirar as máscaras em ambientes públicos abertos é extremamente acertada. Nos ambientes fechados, onde há aglomeração de pessoas, acredito que as pessoas devam usá-la. Eu acredito que a máscara veio para ser um acessório que todas as pessoas deverão ter na sua pasta para sempre. Não acredito que as pessoas devam ir para um metrô ou ônibus sem máscara para sempre. A gripe está aí. A máscara impede que você pegue resfriado. Você entra num ônibus apertado, cheio de gente, com a pessoa respirando no seu pescoço, você vai pegar gripe. Considero importante as pessoas adotarem essa cultura de usar máscara, fundamentalmente em transporte coletivo. Não considero eleitoreira, porque temos que manter um equilíbrio entre o ideal e o possível. O ideal seria manter a máscara até que não tivesse nenhum vírus circulando, mas as pessoas estão cansadas. Para que em um outro momento, caso venha um novo surto, a gente possa ter autoridade para pedir que as pessoas voltem a usar a máscara, é preciso que nós sejamos criteriosos no grau de exigência. Se a população perceber que não tem vírus circulando e ninguém está adoecendo, vai haver uma desobediência civil. E nós não temos como punir as pessoas. Se a sociedade não for a parceira que foi, vamos perder a luta em uma próxima pandemia.
Tribuna - Como é que Fábio Vilas Boas chega ao MDB, como é que foram essas conversas? Inclusive o anúncio da sua chegada ao MDB foi feito antes do anúncio do MDB na base de Jerônimo, né?
Fábio Vilas-Boas - Eu fui instado pelo governador Rui Costa e pelo senador Jaques Wagner a iniciar conversas com o MDB ainda em outubro do ano passado. Quando decidi que eu iria sair como candidato a Deputado Federal, procurei tanto o Rui quanto o Wagner e ambos me disseram que havia uma chance de trazermos o MDB, e eles me deram essa missão. De outubro até agora, eu estive incumbido, trabalhei intensamente apagando incêndio de um lado, apagando incêndio do outro, tentando conduzir pra esse momento que foi possível agora. E felizmente não apenas trouxe o MDB para a base, como conseguimos conquistar a indicação de vice-governador. E eu me filiei com a sensação de missão cumprida.
Tribuna - Então, para ficar claro, o senhor, então, foi o grande responsável por essa aliança do MDB com o PT?
Fábio Vilas-Boas - Eu não posso dizer que eu fui o grande responsável, porque o grande responsável foi o governador Rui Costa que conduziu o processo. Tive uma participação, eu fui um dos elementos, um dos soldados designados para essa tarefa.
Tribuna - O MDB designou Geraldo Júnior para a vice de Jerônimo. Como é que o senhor vê também esse nome e qual vai ser a participação do MDB na campanha de Jerônimo?
Fábio Vilas-Boas - A indicação de Geraldo Júnior foi o meu modo de ver uma um golpe de mestre, porque ele vem completar o perfil de candidato ao governo que faltava a Jerônimo Rodrigues. Jerônimo é uma pessoa que veio do interior, trabalhou e é exemplo de uma história de vida muito interessante. Ele criou-se sendo filho de produtores rurais, estudou no interior, formou-se em agronomia, como professor universitário, e foi secretário de agricultura familiar. Ele foi secretário de Desenvolvimento Rural que cuidava do segmento da agricultura familiar. Ele conhece bastante o interior do estado. Já Geraldo Júnior é oriundo de Salvador e conhece bastante a política de Salvador e as necessidades da capital. Essa união de perfis torna a chapa muito mais consistente. O MDB está dentro do Governo do Estado hoje dando sustentação ao governo Rui Costa, com uma participação expressiva na chapa. Eu tenho a convicção de que ,uma vez estando eleito o companheiro Jerônimo Rodrigues, a tendência é que o partido cresça e tenha uma ampliação e uma participação maior no próximo governo, porque nossa perspectiva aí é de eleger três deputados federais.
Tribuna - O rompimento com o vice-governador João Leão foi um baque para o grupo?
Fábio Vilas-Boas - Foi um baque inicialmente, mas isso era algo que já vinha sendo sempre esperado que em determinado momento pudesse acontecer. O vice-governador João Leão já vinha há pelo menos um ano dizendo que queria ser candidato a governador e isso num determinado momento se levou na pilhéria, não se acreditou que aquilo ali fosse sério, era apenas bravata. A partir de um determinado momento, João Leão passou realmente a acreditar na sua possibilidade de ser candidato a governador. Então, dentro da política, sempre se pensou na possibilidade disso acontecer. Quando aconteceu, não foi uma surpresa por completo, mas foi uma perda importante no tripé de sustentação do governo. Com o passar das semanas, com baixada a poeira, quando se foi analisar o tamanho da perda, ela foi muito menor do que o que em princípio se imaginaria que poderia ter sido, uma vez que vários prefeitos mantiveram o apoio ao candidato ao Governo do Estado - alguns, inclusive, mudando a indicação de seus deputados federais.
Tribuna - ACM Neto agora está liderando as pesquisas. Isso é um fato. Jerônimo Rodrigues é um candidato desconhecido e ainda está caminhando nessa campanha. Qual vai ser a estratégia do grupo para tentar bater ACM Neto? Qual vai ser a principal bandeira que o grupo vai defender?
Fábio Vilas-Boas - Nessa campanha, Jerônimo Rodrigues, assim como Rui Costa, eram pessoas desconhecidas do público. Eu me recordo bem, 2014 eu não era do governo, mas era amigo de Rui e ele começou com 2%, meus amigos até faziam chacota comigo e diziam 'nossa, o amigo aí tá com 2%' e eu disse 'ele vai ser governador’. E acabou sendo. Evidente que o cenário político nacional, estadual hoje é diferente do que era há oito anos. Existe um adversário tão forte quanto era Paulo Souto no começo contra Rui, mas nós temos uma sensação aqui na Bahia e no Nordeste de insatisfação muito grande com o plano federal, com plano nacional. E o desgaste do Presidente da República no estado da Bahia e, consequentemente, o apoio expressivo da Bahia a Lula poderão ser uma ferramenta de alavancagem da candidatura de Jerônimo Rodrigues. Mesmo assim, independente do cenário nacional, eu tenho muita fé, eu acredito muito na capacidade das pessoas irem conhecendo aos poucos o candidato em cima das centenas de prefeituras que nós temos de apoios no estado. O povo baiano é um povo pobre, sofrido e que vive majoritariamente no interior. Esse povo tende a votar mais em governos com viés social e esses governos populares de Wagner e de Lula são governos com vieses sociais. Eu sempre divido os governantes entre os que possuem um entendimento da necessidade primordial da população - saúde, alimentação... - daqueles que eu que eu chamo de 'faraós'. Faraó é o governante que quer construir uma edificação que fique para a posteridade. Que depois de construída, não dá despesa nenhuma. Os faraós construíram as pirâmides de pedra e estão lá até hoje, quatro mil anos e não dão despesa nenhuma. Então, tem vários governantes faraós que gostam de fazer praça, de jogar asfalto no chão e aquela pessoa que está com asfalto na porta está sofrendo de dor e não consegue ter acesso ao sistema de saúde. Eu faço analogia de que a necessidade é grande e são poucos os recursos. A gente tem que escolher onde botar o dinheiro. Às vezes é mais importante você tirar a dor de quem está sofrendo, do que ele resolver o problema da lama que está na frente da porta da casa dela. Se der para resolver os dois, ótimo. Mas se você tiver que escolher, tem que escolher pelo que está afetando mais a população. É a fome, a sede e a dor. Essa é a escolha de Sofia que todo governante tem que fazer porque todos querem fazer o bem, todos querem fazer tudo, mas às vezes não dá. Não tem dinheiro.
Tribuna - Na sua campanha para deputado federal, qual será a sua principal bandeira?
Fábio Vilas-Boas - Eu tenho evidente a bandeira da saúde, mas não apenas na saúde, eu sou produtor rural. Eu tenho uma compreensão muito grande das dificuldades do semiárido baiano. Eu também sou cacauicultor e quero defender a bandeira da agricultura, do agronegócio e do desenvolvimento sustentável da região cacaueira da Bahia. Buscar, criar soluções de assistência técnica rural para os diferentes biomas... Eu tenho propostas para se criar consórcios interfederativos de assistência rural, que são coisas bastante inovadoras. Depois a gente pode conversar sobre isso oportunamente. [A ideia é criar algo] nos moldes dos consórcios de saúde, fazendo com que a assistência rural seja mais personalizada e mais próxima de cada bioma. E também pretendo ser um deputado que venha defender a piscicultura e a pesca. Todos esses aspectos são aspectos que eu tenho envolvimento pessoal, eu conheço profundamente. Seja como piscicultor, atual agricultor, produtor rural e médico.
Fonte: Tribuna Trbn
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