Esposa de homem morto por cunhado de 8 anos não gostava de arma: 'Não queria contrariar'

Wanderson Santos deixou arma no banco traseiro do automóvel, quando foi buscar filho e cunhado na escola

O corpo do corretor de imóveis Wanderson Santos, de 27 anos, morto por um tiro acidental disparado por seu cunhado, um menino de 8 anos, foi sepultado na tarde desta terça-feira (9), no Cemitério Memorial do Vale, em Jacareí, interior de São Paulo

Familiares e amigos acompanharam o sepultamento em clima de comoção pela tragédia que se abateu sobre a família que participa ativamente de uma comunidade evangélica da cidade, no Vale do Paraíba.

Ao Estadão, a mulher de Wanderson, Andréia Carollini dos Santos, disse por telefone que o marido tinha feito o curso de tiros e tomava muito cuidado com a arma. "Ele era cuidadoso, não deixava nunca onde as crianças pudessem alcançar. Não sei mesmo o que pode ter acontecido. Talvez um descuido. É muito difícil dizer nessa hora o que realmente houve", disse, logo após o sepultamento do marido.

Evangélica, assim como o marido, Andréia contou que não era de seu agrado que ele tivesse armas. "Mas era um gosto dele e eu não queria contrariar. Agora, estou sem chão, não sei como aconteceu. Foi uma fatalidade, algo inexplicável. Só Deus sabe. Estamos todos muito abalados."

Wanderson tinha licença de colecionador, atirador esportivo e caçador, o chamado CAC, e foi buscar seu filho de 5 anos e o menino, seu cunhado, em uma escola particular, no bairro Jardim Leonídia, próximo do centro da cidade, no início da noite de segunda-feira, 8.

A arma de fogo estava no banco traseiro do automóvel. As crianças entraram no carro e o menino pegou a arma, acontecendo o disparo acidental.

A pistola estava carregada com 12 projéteis. A bala atingiu a cabeça da vítima e, quando o socorro chegou, o homem já estava morto. Conforme a Polícia Civil, a arma estava com a documentação em dia.

O caso foi encaminhado à Delegacia Seccional de Polícia Civil e a apuração será feita pelo 3º Distrito Policial. A ocorrência foi registrada como omissão de cautela e morte acidental. Conforme a Polícia Civil, a arma estava com a documentação em dia.

Wanderson tinha o certificado de registro para pessoas físicas realizarem atividades de coleção de armas de fogo, tiro desportivo e caça. A arma foi recolhida para perícia.

Ele deixa mulher e dois filhos - além do menino de 5 anos, uma menina de dois anos. Durante o registro da ocorrência na Polícia Civil, a esposa da vítima já tinha dito aos policiais que ele sempre deixava a arma guardada em local fora do alcance das crianças e que elas tinham sido avisadas para jamais tocarem no armamento.

À polícia, a mulher não soube dizer qual o motivo de a pistola, carregada, ter sido colocada no banco traseiro, onde podia ser alcançada pelas crianças.

O corretor de imóveis era evangélico e frequentava, com a família, a Igreja da Família Plena em Cristo, de Jacareí. Em rede social, a igreja postou mensagem de luto pela morte do acolhido. Amigos usaram as redes sociais para se despedir de Wanderson.

"Sempre será lembrado. Que Deus conforte o coração de toda família", escreveu Ana Paula Pereira. Outro amigo, Guilherme Manoel, fiel da mesma igreja, desejou conforto à família. "É difícil entender os planos de Deus, só Ele sabe das coisas", postou.

Tanto a esposa como os amigos disseram que Wanderson gostava de armas. Em sua rede social, o corretor de imóveis compartilhava sites relacionados a armamentos, como "Mundo das Armas", "Militarismo Mundial" e "Eu Amo Armas".

Conforme a Polícia Civil, mesmo com a morte do responsável pela guarda da arma, será aberto um inquérito para apurar todas as circunstâncias da ocorrência.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em vigor desde 13 de Julho de 1990, menores de 12 anos são considerados crianças e são inimputáveis penalmente, ou seja, não podem sofrer nenhum tipo de penalidade. As medidas socioeducativas como a internação na Fundação Casa podem ser aplicadas apenas para adolescentes, que são os menores de 12 a 18 anos.

Conforme mostrou o Estadão, graças à política que facilitou a aquisição de armas do governo do presidente Jair Bolsonaro, o total de CACs registrados no País saltou de 117.467 em 2018 para 673.818 este ano. O número é superior ao de policiais militares da ativa que atuam no Brasil, que são 406 mil, e supera o efetivo das Forças Armadas, de 360 mil soldados

Arma pode ter sido transportada irregularmente, aponta especialista

Para Carolina Ricardo, diretora executiva do Instituto Sou da Paz, houve muita facilitação do acesso às armas no governo Bolsonaro. "Foram quase 40 atos normativos, entre decretos, portarias e resoluções, tudo para facilitar o acesso de armas para o civil, sobretudo para essa categoria dos CACs. É uma categoria legítima, praticante de tiro desportivo, mas é uma insanidade autorizar até 60 armas para uma pessoa que amanhã resolve praticar tiro esportivo, sendo 30 armas de uso restrito que podem ser até fuzil semi automático."

No caso de Jacareí, a pessoa identificada como CAC estava portando a arma de forma irregular, segundo ela. "O porte é autorizado no caso do atirador desportivo quando ele se desloca da casa dele para o clube de tiro, e não era o caso. Vimos que isso tem sido utilizado como subterfúgio para que o atirador tenha o porte irrestrito, como foi nesse caso. Nada justifica o atirador estar com a arma na frente da escola e com duas crianças no carro."

A confusão normativa gerada por todas essas alterações na legislação das armas tem feito esse impacto no porte levando até a flexibilização por parte da polícia na fiscalização, "porque parece ser uma orientação do governo do tipo deixa quieto", segundo ela.

"Ele não deveria estar portando a arma naquela hora, porque só poderia se estivesse se deslocando para o estande de tiro, mas estava numa escola, com duas crianças, deixando essa arma sem condições de segurança no banco de trás. Então mostra falta de preparo e irresponsabilidade", afirmou.

A dirigente do Sou da Paz lembrou outro caso ocorrido domingo, 7, em Mogi Guaçu, no interior paulista, em que um o dono de um veículo, após ser atingido por outro carro, atirou contra o autor da batida.

O homem, de 38 anos, morreu com um tiro nas costas. O atirador que, segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP) é um CAC, entregou três armas à polícia e foi preso.

"Não se quer criminalizar e dizer que todos os CACs têm esse perfil, mas temos colecionado casos recentes em que situações banais como essa estão resultando em mortes. No caso do Lo (Leandro Lo, lutador de jiu-jítsu morto com um tiro na cabeça domingo, 7) o atirador é um policial militar, mas todos são casos de pessoas que estão portando arma onde não deveriam estar É muito grave e a gente acha que a tendência é aumentar esses casos", disse.

Na ocorrência de Mogi Guaçu, o motorista Lindomar Benedito da Silva, de 38 anos, dirigia um automóvel Gol no Jardim Novo II, zona leste da cidade, quando bateu em um Honda Civic estacionado na rua.

O dono do carro, um empresário de 30 anos que é atirador desportivo, percebeu que o motorista tentava fugir e atirou contra ele com uma pistola 9 mm. A bala perfurou a lataria do carro, o banco e atingiu o motorista nas costas. O veículo ainda bateu em um poste. Lindomar foi levado a uma unidade de saúde, mas não resistiu.

Ao ser preso, o atirador afirmou que era sócio de um clube de tiro e achou que seria vítima de um assalto. O empresário, que não teve o nome divulgado, foi preso, mas pagou fiança e vai responder ao processo em liberdade. Ele entregou à Polícia Civil as três armas que possuía. A vítima era motorista de ônibus e estava de folga. Lindomar deixou esposa e três filhos, entre eles uma menina de três anos.

Fonte: Correio

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