Maioridade


O caps AD Jacobina nasceu em 2006 de um parto não planejado. A época havíamos implantado o Caps II Jacobina com uma gestação supervisionada, formando equipe, acolhendo usuários com sofrimento psíquico já identificado, com algum acompanhamento ou mesmo histórico de internações em hospitais psiquiátricos.Mesmo o Caps II não foi fruto de demanda da comunidade local ou dos seus representantes. A equipe gestora em saúde, liderada pela querida amiga, a enfermeira Laura Emanuela Costa, teve essa iniciativa, tendo cabido a mim pensar e executar a proposta junto ao governo estadual e federal, ou seja, seguindo os protocolos do SUS.

O mesmo fato não se deu na implantação do Caps AD, cerca de um ano depois. O então coordenador estadual de saúde mental, Dr. Paulo Gabrielle, solicitou a implantação deste serviço, quando o estado só havia implantado quatro serviços desta natureza até então, sendo apenas um em Salvador, que não era coordenado pela prefeitura, mas, com equipe de pessoal da UFBA, CETAD e SESAB, então coordenado pela assistente social e psicóloga Patricia von Flach.
Alugamos o espaço e em pouco tempo fizemos o projeto, foram feitas reformas de adaptação no local, montamos a equipe, compramos os móveis, estruturamos a grade de atividades, implantamos o serviço. Tudo isso sem esforço ou solicitação da comunidade ou seus representantes, como se não tivéssemos clientela a ser atendida.

Passados dezoito anos, atingindo a maioridade, ainda nos sentimos meio isolados e órfãos da sociedade, muito parecido com a situação da maioria da nossa clientela. Iniciamos com equipe mínima completa, de acordo com a portaria do Ministério da Saúde, oferecendo a grade de atividades integral do serviço , tendo a equipe passado por treinamento no Caps AD de Salvador.
Não temos equipe de profissionais efetivos para dar continuidade a rotina e protocolo deste serviço especializado, mas especialmente não quebrar vínculos junto a clientela tão carente deste vetor. Nossa clientela não tem espaço de acolhimento ou convivência além do Caps AD, nem mesmo nos serviços de saúde.

Mas, não desistimos. A demanda de pessoas com sofrimentos decorrentes do uso de álcool e outras drogas aumenta a cada dia e ganha visibilidade em todo o país, em todas as camadas da sociedade, com iniciação cada vez mais precoce. Não havendo espaços de convivência e cuidado com suporte público que os acolha, surgem as “cracolândias”, os “sindicatos”, apoiados muitas vezes pelo poder paralelo que lucra com o comercio ilegal.
A equipe atual herdou toda a experiência da história do serviço através dos usuários, dos trabalhos feitos por eles e pelos colegas que por aqui passaram. Muitos dos clientes, amigos, parceiros de tarefas, já partiram e deixaram aqui suas lágrimas e sorrisos no enfrentamento dos sofrimentos psicossociais, da exclusão, da invisibilidade.

Não nos resta outra opção a não ser resistir, manter o protocolo técnico devido e continuar esperando amadurecimento da comunidade para entender a necessidade em acolher os cidadãos adoentados e excluídos por não estarem servindo ao capital.

Cledson Sady
Membro da Academia Jacobinense de Letras
Diretor de Saúde Mental


Fonte: Jacobina 24 Horas

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